Na manhã seguinte, muito escura, batendo o vento e a chuva na casa,1 colocaram pílulas sobre a minha língua2. Penetrei num plano de existência onde3 viver a rotina é a melhor coisa do mundo. O final deste dia será igual ao final do dia de ontem e assim por diante4.
Passou um ano. Outro ano. Outro ano. Outro5.
Eu já não estava muito em meus eixos, recordo que6 passou a ser um esforço não fechar os olhos7 envelhecidos e afetados pela catarata8 contra o brilho do sol9. Não me escutam, não me veem, não me entendem10. Tudo que faço é apenas vagar nesse espaço vazio. Já estou quase morto;11 quem vai sentir falta?12 Um conselho de amigo:13 Vou esperar por você aqui. Tenha cuidado14.
1 Macedonio FERNÁNDEZ. Museu do romance da Eterna. Tradução de Gênese Andrade. São Paulo: Cosac Naify, p.131.
2 Hafid AGGOUNE. Os amanhãs. Tradução de Maria Angela Villela. Rio de Janeiro: Rocco, 2005, p.77.
3 Vladimir NABOKOV. Lolita. Tradução de Jorio Dauster. Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo: Folha de São Paulo, 2003, p.60.
4 Claudia NINA. Esquecer-te de mim. São Paulo: Babel, 2011, p.40.
5 Jonathan SAFRAN FOER. Extremamente alto e incrivelmente perto. Tradução de Daniel Galera. Rio de Janeiro: Rocco, 2005, p.196.
6 Juan RULFO. Pedro Páramo. Tradução de Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: Editora Record, Edições BestBolso, 2009, p.70.
7 J.M. COETZEE. Vida e época de Michael K. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p.83.
8 Imre KÉRTESZ. O fiasco. Tradução de Ildikó Suto. Editora Planeta. São Paulo, 2004, p.364.
9 J.M. COETZEE. Idem.
10 Nikolai GOGOL. Diário de um louco (precedido de O Nariz). Tradução de Roberto Gomes. Rio Grande do Sul: L&PM Pocket, 2007, pg.95.
11 Rafael SPERLING. Festa na usina nuclear. Rio de Janeiro: Oito e meio, 2011, p.34.
12 Sérgio VAZ. Literatura, pão e poesia. São Paulo: Global, 2011, p.105.
13 Millôr FERNANDES. Trinta anos de mim mesmo. São Paulo: Círculo do Livro, 1974, p.166.
14 Orhan PAMUK. Neve. Tradução de Luciano Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.419.